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LIVRO SOBRE HISTÓRA DE ANGOLA É FINALISTA NUM PRÉMIO NOS EUA

 LIVRO SOBRE HISTÓRA DE ANGOLA É FINALISTA NUM PRÉMIO NOS EUA

Historiadora e investigadora brasileira Mariana P. Candido

O livro “Wealth, Land, and Property in Angola. A History of Dispossession, Slavery, and Inequality”, da historiadora e investigadora brasileira Mariana P. Candido, que aborda os conflitos agrários em Angola a partir do século XVII, foi anunciado como uma das cinco obras finalistas do African Studies Association (ASA) Best Book Prize Award.

Trata-se de um prémio anunciado todos os anos pela African Studies Association, que aponta o melhor livro em estudos africanos publicado no ano anterior. “É uma grande honra estar entre os finalistas porque são livros variados e escritos por sociólogos, filósofos, cientistas políticos, antropólogos… Não é um prémio só para historiadores, ou mesmo só focado numa parte do continente africano. Então ter o meu livro reconhecido como um dos cinco melhores livros de 2022 sobre estudos africanos é uma grande surpresa e honra”, revelou a historiadora ao Jornal de Angola.

Mariana Candido mostrou-se surpreendida com a leitura do seu livro, pois, como reconhece, trabalha numa região do continente africano que não recebe muita atenção da imprensa, ou mesmo do mundo académico norte-americano. “Saber que os membros do comité leram o meu livro, entre dezenas de outros livros, e decidiram que é um livro importante, traz-me uma alegria imensa. É um reconhecimento não só da minha pesquisa, mas também do tipo de investigação que faço em arquivos, com documentação antiga, produzida entre os séculos XVII e XIX, uma pesquisa que requer tempo, financiamento e muito apoio institucional”, frisa a investigadora, acrescentando que, num momento em que a História de África está sob ataque nos Estados Unidos, não deixa de ser reconfortante ver que os colegas apreciam a pesquisa de arquivo.

Pesquisadora regular nos arquivos angolanos, tendo estado em Maio último em Luanda e Benguela a fazer pesquisas, Mariana Candido aborda no livro os conflitos agrários em Angola a partir do século XVII. Ao fazer investigação nos arquivos angolanos, a professora de História da Emory University (EUA), revela que ficou muito claro para si que os sobas, dembos e manis tinham uma clara ideia sobre os direitos de posse e uso dos seus territórios.

No livro, agora em destaque, demonstra como várias populações exerciam o direito à terra e como esses direitos foram reconhecidos pela Coroa Portuguesa até ao século XIX. “Somente no século XIX, a administração portuguesa começou a não reconhecer a posse da terra com base no relato dos ocupantes desses terrenos, sejam eles os soberanos, como os sobas, ou os súbditos. É  no meado do século XIX que a Coroa Portuguesa inventou essa ideia de que as populações africanas não conheciam a noção de propriedade privada da terra. Esse argumento foi utilizado para a desapropriação de terrenos a favor da Coroa Portuguesa”.

A investigadora vai mais longe e apresenta no livro a ligação entre a expropriação ágraria e a escravização. “As populações precisavam ser expulsas dos seus terrenos, ser excluídas dos seus meios de produção, para então tornarem-se vulneráveis e presas fáceis para o comércio de seres humanos. Demonstro como os agentes coloniais portugueses, desde o século XVII, trataram de expulsar sobas e seus dependentes de terrenos férteis. E, ao expulsar populações inteiras acabaram por criar processos migratórios que transformaram a região, com muitas populações costeiras, como os Mundombes, que foram obrigados a buscar outros lugares de ocupação. E, no processo, mulheres, homens e crianças foram capturados e vendidos como seres humanos escravizados. Então, mostro como há uma relação próxima entre expropriação agrária e escravização”.

A pesquisadora, que investiga nos arquivos angolanos desde 2003, traz igualmente uma obra que procura entender como as pessoas exprimiam ideias de riqueza no que hoje é Angola. Ou seja, como sobas e dembos poderosos acumulavam riqueza, seja na acumulação de terrenos, súbditos livres e escravizados. “Também tento entender por que as pessoas que residiam em Benguela, Bailundo ou em Quilengues, durante o século XVIII e XIX, acumulavam bens, sejam eles móveis feitos de jacarandá, tijelas de prata, tecidos de Malabarm, ou quadros importados de Macau. Por que as pessoas acumulavam objectos, terrenos e pessoas escravizadas? De que forma, ao longo do século XIX, populações que viviam longe do litoral estavam inseridas em redes comerciais globais, adquirindo tabaco produzido em Roterdã, tecidos do Porto ou aguardente manufacturados no interior do Rio de Janeiro. Ou seja, ao escrever o livro me dei conta que estava examinando a história da propriedade, não só entendida como imóveis, ou seja, um terreno, mas também a propriedade de objectos e de seres humanos”.

Entretanto, resultado de cinco anos de pesquisa em arquivos angolanos, brasileiros e portugueses, o livro levou a investigadora a palmilhar os corredores do Arquivo Nacional de Angola, onde, revela, sempre teve muito apoio. Analisou igualmente a documentação que está disponível na Biblioteca da Comarca de Benguela, no Tribunal da Comarca de Benguela e na Biblioteca do Bispado de Angola, em Luanda.

“Pesquisar em Angola é um desafio porque é muito caro viajar e ficar em Luanda, como qualquer angolano sabe. Luanda é uma cidade cara, grande, onde se perde mais tempo no transporte que na leitura de documentação”, atira, apesar dos problemas, reconhece que a documentação em Angola é fabulosa. “É admirável que a documentação tenha sobrevivido as longas décadas de guerra e dos problemas de infra-estruturas que são bem conhecidos. Há muita documentação escrita antiga, dos séculos XVII e XVIII, o que não existe para outras partes do continente africano. Também há correspondência dos sobas e muita informação sobre mulheres. Entre os volumes de correspondência entre oficiais, um historiador atento acha detalhes fantásticos sobre a vida privada das pessoas, inclusive sobre pessoas que viviam em cativeiro”. Por isso, Mariana Candido não hesita em reconhecer que há muita informação e poucos são os angolanos que estudam, lêem e usam essa documentação, pois, alerta, seria óptimo se mais angolanos se interessassem em estudar os séculos XVI, XVII, XVIII porque há documentação na Biblioteca Municipal de Luanda ou no Arquivo Nacional de Angola que precisa ser analisada cuidadosamente. “Muita documentação com termos em Kimbundu ou Umbundu, que deveriam ser lidas por falantes dessas línguas. Agora, estudar sobre o passado demora porque o pesquisador precisa de tempo para estudar Paleografia, ler a documentação, passar dias, semanas nos arquivos – e isso leva tempo! Só consigo fazer isso porque as universidades onde já trabalhei, e onde trabalho agora, a Emory University, em Atlanta, nos EUA, paga a minha passagem, a minha estadia e o meu salário para  passar um mês em Luanda e em Benguela lendo documentação. E, depois me oferece as condições para ler livros e artigos, pensar e escrever. Isso leva tempo – e custa!”.

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